Américo Passos
Alfenas foi destaque de forma ruim em vários veículos de comunicação após o padre da paróquia de São José e Dores, Pe. Riva, relatar publicamente que vinha sendo vítima de injúria racial. O caso repercutiu de diferentes formas e em todos os setores da sociedade, mobilizando instituições e manifestações contra os atos sofridos pelo padre e a toda forma de preconceito aos negros.
Rodrigo Mikelino, ator e ativista do Coletivo Negros e Negras de Alfenas (CNNA), foi um dos integrantes da manifestação que percorreu as ruas da cidade no dia 26 de novembro em apoio ao Padre Riva Rodrigues de Paula, vítima dos atos de injúria racial.
O ator e ativista Rodrigo Mikelino espera que o CNNA tenha a participação do maior número possível da população negra da cidade/Foto: Rede Social
O ator destaca que o racismo é acentuado pelo preconceito e pela discriminação de classe social e de gênero. “No Brasil, o preconceito e a discriminação podem ser observados em toda parte: no mercado de trabalho, nas escolas, no lazer e até no, digamos, mercado matrimonial”, afirma Mikelino.
Rodrigo Mikelino afirma que qualquer crime de racismo que aconteça é punido como injúria racial e isso acaba não resultando em nada. Uma das formas que a comunidade negra encontra para combater esta questão é a promoção de debates, rodas de conversas, a fim de se apoiar enquanto comunidade.
Manifestação realizada pelo coletivo contra o racismo ocorrido em Alfenas/Foto: CNNA
O Coletivo de Negras e Negros de Alfenas consiste em nos fortalecer enquanto indivíduos transformando-nos em pessoas melhores e mais empoderadas. Nosso objetivo é chegar a alcançar os 32% da população negra de Alfenas, ressalta Rodrigo Mikelino.
Rodrigo enfatiza que o caso envolvendo o Padre Riva é criminoso e mostra como Alfenas ainda está atrasada. Sobre isso, o ator declara: “vamos além porque não permitiremos que isso aconteça mais. Em todos os crimes que ocorrerem, como este, sairemos nas ruas. Estamos vivos e não permitiremos retrocesso”.
No Brasil, segundo estimativa do IBGE, a população negra representa 56,10 % da população brasileira, contudo não está representada de forma igualitária, principalmente no mercado de trabalho e em posições de comando, como na política.
Para entendermos melhor como esta questão do racismo está presente na nossa sociedade, O Alfenense entrevistou a Profa. Dra. Fabiana de Oliveira, docente no Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI), da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG).
Iniciamos a entrevista perguntando sobre dois temas de grande relevância quando se fala na discriminação dos negros, o racismo e a injúria racial, que estão descritas na legislação e são passíveis de penalidades.
Profa. Fabiana explica que o racismo se compõe de um conjunto de ideias, crenças e valores que apregoam a superioridade de um grupo étnico-racial sobre o outro e manifesta-se por meio do preconceito e da discriminação racial. Racismo provém do termo raça, mas apesar de já estar provado que raças biológicas não existem, não havendo, portanto, nenhuma superioridade em ser um humano branco nesta hierarquia racial historicamente construída, porém, permanece a ideia de raças sociais no consciente coletivo como algo vivo que se traduz na forma das relações estabelecidas priorizando grupos, hierarquizando tipos humanos e, consequentemente, marginalizando as pessoas negras. O racismo produz desigualdades e violações de direitos.
A injúria racial não se assemelha ao crime de racismo de acordo com nossa legislação, pois o primeiro está relacionado a práticas racistas dirigidas a um único indivíduo e o segundo está relacionado a práticas racistas dirigidas a um grupo/uma coletividade. A injúria racial caracteriza-se pela ofensa à dignidade de alguém com base em elementos como sua raça, etnia, cor, religião, idade ou deficiência, afirma a professora.
Profa. Fabiana ressalta que o racismo está inserido na sociedade brasileira, no imaginário social, nas instituições e na estrutura da sociedade de um modo geral, ao pensarmos nos aspectos sociais, políticos e econômicos como resultado dos 300 anos de escravatura e que ainda reverberam hoje com toda força.
Por isso, há dados facilmente encontráveis do IBGE, PNAD’s, Atlas da Violência etc. que comprovam que, nas relações sociais, ainda vigoram o preconceito e as discriminações baseadas nas questões relacionadas à cor da pele. Há dados que comprovam que nascer menino e negro pode significar que o mesmo não chegue à vida adulta, pois pode ser morto pela polícia. Há dados que comprovam que a escola ainda se pauta num currículo embranquecido que desconsidera as contribuições da cultura e história afro-brasileira e africana. Há dados que comprovam que os negros possuem uma taxa menor de escolarização. Há dados que comprovam que os salários dos negros e, principalmente, da mulher negra, é menor. Há dados que comprovam que os negros ocupam a maior parte dos cargos inferiores e de menor formação acadêmica, ou seja, você não encontrará facilmente um médico negro, um padre negro, um juiz negro etc. Há mulheres negras que precisam esconder seu cabelo black power nos seus locais de trabalho, pois não podem aparecer com seus cabelos soltos, etc. Esses são somente alguns exemplos para mostrar como há uma naturalização do racismo na sociedade brasileira e, assim, quando encontramos um padre negro, isso pode causar algum tipo de incômodo em alguns e levar até mesmo a práticas de racismo, pois, de um modo geral, as instituições são regidas por pessoas brancas.
Profa. Dra. Fabiana de Oliveira ressalta que o racismo na sociedade brasileira é algo histórico e por isso ocorre nos dias atuais/Foto Arquivo Pessoal
O racismo destitui a população negra de seus direitos enquanto cidadãos, não possibilita sua ascensão social por meio da possibilidade de permanecer na escola e ter sucesso e, consequentemente, de ter um trabalho e remuneração melhores, deixando esta população subalternizada cada vez mais, esclarece a Profa. Fabiana.
Com relação à existência de políticas públicas que visam a conscientizar a população, a Profa. Fabiana afirma que ainda carecem de recursos orçamentários necessários e também políticas com foco no combate ao racismo visando a responder às suas causas e não como ações pontuais. Afirma que são necessárias políticas públicas específicas para a população negra e não, o que geralmente acontece, políticas públicas para a população pobre.
É importante a existência de políticas de cunho universalista, mas também é extremamente importante se considerar políticas públicas e programas específicos para a população negra brasileira, buscando a equidade e a justiça social baseadas numa política redistributiva, mas que considere o reconhecimento das diferenças, destaca a professora.
Profa. Fabiana explica que temos uma legislação que busca punir situações de racismo e injúria racial, a Lei 7.719/89 (artigo 20) e o Código Civil (art. 140) respectivamente, com possibilidade de reclusão. As práticas racistas estão relacionadas a uma coletividade e podem se materializar em propagandas, sites e comunidades na internet com conteúdos discriminatórios, bem como estarem presentes em livros, publicações e na discriminação de religiões de matriz africana. Já a injúria racial pode se materializar em práticas relacionadas a um indivíduo como apelidar/inferiorizar a vítima por conta de seus atributos de raça/cor; recusar-se a prestar serviços por pessoas de outras etnias e desprezar os hábitos/tradições de outros grupos/etnias.
Articuladas à legislação que pune, precisamos também de políticas públicas que, de fato, contribuam para a educação/formação dos brasileiros a partir das relações étnico-raciais por meio de campanhas educativas, campanhas publicitárias na mídia televisiva e internet, de modo que venhamos a ter uma sociedade mais justa, mais democrática e mais igualitária. Estamos há 31 anos da promulgação da Lei 7.719, que data de 1989, e ainda encontramos com muita frequência situações de racismo e injúria racial que permeiam as relações na sociedade brasileira em diferentes setores e com diferentes atores, neste caso, as ações precisam ser mais amplas visando uma formação mais humanizada e voltadas ao respeito às diferenças e ao respeito à dignidade humana, que todo ser humano possui e deve ser preservada, afirma a professora.
Em relação ao modo como a comunidade negra aborda a questão do preconceito, Profa. Fabiana ressalta que o termo “comunidade negra” é um termo muito amplo, sendo que há várias entidades negras atuando em diferentes frentes, mas todas com um objetivo comum que as une, que é o combate ao racismo na sociedade brasileira, que é algo inaceitável em pleno século XXI.
Mín. 7° Máx. 17°