A proteção animal é um local em que somos diariamente obrigadas a lidar com um emaranhado de sentimentos. É da luta ao luto todos os dias. De algorítmos à sociedade somos empurradas a ver a dor expressa pelo descaso aqui e acolá. Fora nossos próprios quintais e abrigos que são repletos de histórias duríssimas para contar. Talvez as pessoas que não atuem diretamente na proteção animal não conseguem dimensionar o que nem sempre expressamos, esses sentimentos muitas vezes ficam guardados em nós.
Ficam guardados por duas razões, creio eu. A primeira é que nos é exigido uma fortaleza absurda. Muitas pessoas ignoram completamente a imensa carga física e emocional que carregamos e se sentem no direito de despejar todas as suas frustrações em nós. Quem nunca ouviu um “é sua obrigação” ou após nossa resposta negativa ouvir um “vocês só querem saber de dinheiro”. A sensação que tenho é que as pessoas ignoram nossos sentimentos justamente por receio de que se abrirmos verdadeiramente nossos corações, a realidade é tão dura e tão impactante que ela mal aguentaria (imagina a gente…)
A segunda é a pouca compreensão do que é realmente a proteção animal. “Cadê os protetores?”, gritam nas redes sociais diante de qualquer situação envolvendo animais. Nesta hora eu tenho vontade de responder como se deve, mas algo me segura e eu acabo deixando pra lá. Vontade de dizer: “estamos aqui, sozinhas (na maioria das vezes), cheia de dívidas, mal conseguindo se aguentar em pé. Cansadas demais, com dores demais. E tendo que levantar, pois a responsabilidade nos obriga.”
Eu me questiono como chegamos até aqui. E acabo por fazer a mea culpa de que educamos pouco. E temos uma questão cultural também que é a forma como nos relacionamos com os animais. É uma relação descartável (para os animais), pautada no status e na tentativa de suprimir algumas necessidades afetivas de forma unilateral. Daí adquire-se o animal e se ele não suprir as expectativas. Desfaça-se e arrume outro.
Não temos o hábito de pensar na saúde e nutrição do animal tutelado como um investimento. Mas vou ter que gastar dinheiro com vacina? Vai sim! Quando orientamos a ofertar uma ração de qualidade, eu percebo que estamos quase proferindo uma ofensa.
Ahhh mas estamos num país extremamente desigual e nem todo mundo tem condições de arcar com tantas despesas assim. Bom, um primeiro passo e do baixo ao alto orçamento o que a gente precisa fazer é planejamento. E também batalhar cada vez mais por políticas públicas eficientes e eficazes que alcancem aqueles animais que teriam pouco acesso e também aqueles que não teriam chance nenhuma.
Por estas e outras várias razões que a proteção animal, e devemos nos acostumar com este fato, é um PACTO COLETIVO.
Não é somente as protetoras, não é somente o Poder Público. São co-responsabilidades incluindo toda a sociedade e para que isso aconteça é necessário que a gente enquanto sociedade comece a transformar nossa visão sobre nossa relação com o Poder Público.
Estruturar uma política pública eficiente e sobretudo implantá-la exige muita escuta, muito estudo, e muito trabalho técnico. Vejam que em nenhum momento se fala neste texto sobre amor pelos animais. Claro que o amor faz parte, mas quando falamos do envolvimento de toda sociedade, na responsabilidade primária do Poder Público, aqui se fala em saúde, em meio ambiente, em educação e segurança pública. As políticas públicas para animais são, por sua natureza, transversais.
As eleições estão chegando e com elas aparecem muitos “herois e heroínas” ávidos por uma posição de destaque se colocando como “ninguém faz o que fulano faz!” Será mesmo? Eu sempre desconfiei dessas frases, pois nestes 15 anos na proteção animal, eu nunca fiz algo que outra pessoa não pudesse fazer. Todos podem, o que falta, às vezes é um cadinho de coragem e vontade.
Então para que a mudança possa realmente acontecer e beneficiar verdadeiramente os animais a primeira coisa que devemos nos atentar é: eu sou parte da sociedade e é minha responsabilidade também zelar por estas vidas. Vejam, zelar não quer dizer sair por aí resgatando. Mas que tal pensar em atividades educativas em sua empresa; ou articular junto ao Poder Público a execução de políticas públicas; ou falar com seus alunos em sala de aula sobre respeito, empatia, tolerância e responsabilidade perante à vida?
E você que pleiteia um cargo público, ouça! Mas não adianta ouvir os próximos, aqueles que vão falar só o que é legal. Fazer um exercício de humildade e ouvir as falhas também é importante para avançarmos cada dia vez, cada vez mais.
E a quem vota. Desconfie dos “ninguém faz o que fulano faz” Geralmente esta frase é mais usada para desmerecer quem luta diuturnamente em silêncio, para invalidar um monte de gente que atua na proteção animal com muito amor e sem buscar holofotes. Além disso, esta frase deseduca a sociedade a compreender seu papel de responsabilidade perante os animais e deixa o Poder Público estático diante da situação. A proteção animal, volto a dizer, não tem dono, ela é e vai continuar sendo um pacto coletivo.
Quer uma cidade mais saudável, incluindo os animais? Depende de todos nós!
Na próxima semana vamos nos encontrar novamente com um tema pra lá de especial. Eu espero você!
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