Guilherme Abraão
Em 2003, José Pereira de Souza veio morar e cuidar da casa de um irmão no bairro Recreio Vale do Sol, casa simples, nos fundos aproveitou dois cômodos inacabados e construiu sua oficina de violas. Construiu as próprias máquinas, nenhuma usava energia elétrica, todos eram movidas pela força de pedais. Aquele senhor andava por Alfenas de bicicleta, teve uma com volante de carro, havia sido por anos motorista de ônibus coletivo em São Paulo, mas sua maior paixão eram as violas.
Índio Cachoeira era natural de Junqueirópolis (SP). Ainda criança teve seu primeiro contato com a viola, iniciando sua vida profissional aos 17 anos tocando nas rádios locais e mais tarde formou dupla com Tião do Gado. Em 1995, tornou-se o Pajé da tradicional dupla Cacique e Pajé, na qual atuou por cinco anos e gravou cinco CDs. Tornou-se luthier e, com a sua marca Canaã, fabricava suas próprias violas de dez e quinze cordas, rabeca, violão e harpas.
Com talentoso violeiro canhoto Ricardo Vignini (do grupo Matuto Moderno e Moda de Rock) Índio Cachoeira pisou no velho mundo. Tocaram no Festival Espirito Mundo Provence/Aix in Provence na França em 2012. Em 2016, Índio Cachoeira e Santarém venceram o prêmio ProAC de Culturas Tradicionais da Secretaria do Estado da Cultura de São Paulo, produzido por Ricardo Vignini, a obra prima da dupla era o cd "Ponteando Tradições", pelo selo Folguedo com a distribuição da Tratore. Com Ricardo Vignini foram cinco álbuns e um DVD ao longo de intensos 15 anos de produção, parcerias musicais, centenas de shows e uma amizade forte.
O ano de 2017 foi intenso e muito produtivo para Índio Cachoeira. Para lançar e apresentar o novo CD com Santarém. A dupla de viola raiz rodou o Estado de São Paulo passando com shows em Brotas, Guarulhos, São José dos Campos, Bragança Paulista, Holambra e Botucatu. Em Alfenas, ele abriu o show de Saulo Laranjeira, na Praça do Pinheirinho. Em Belo Horizonte, no "Seminário Violas: o fazer e o tocar em Minas Gerais", realizado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG), no auditório do BDMG Cultural foi destaque.
Sua presença foi marcante ao fazer esta apresentação no Seminário IEPHA/MG, juntamente com outros violeiros de todo o Estado tocando os ritmos tradicionais da viola e contando sua trajetória musical. O auditório lotado aplaudiu de pé Índio Cachoeira por longos e merecidos minutos. Neste ato ficou evidenciado o carinho, admiração e respeito dos participantes durante todo o seminário.
No centro do palco, abraçado com sua viola, ao lado de Teo Azevedo, premiado em 2013, com Prêmio Grammy Latino de melhor álbum de música de raízes brasileiras, estava Índio Cachoeira. Aquele era um momento histórico em sua vida e na carreira do grande mestre da viola caipira, com mais de 40 anos de estrada cultural, tendo se apresentado nos quatro cantos deste Brasil. Ele estava alegre, sorridente, era uma espécie de coroação e misto de despedida.
Duas outras situações me marcaram durante aquele grande encontro de violeiros, estudiosos e pesquisadores. Uma delas, foi um jovem que esperou calmamente com sua viola e pediu para que Índio Cachoeira o ajudasse a tirar algumas notas, o paciencioso violeiro não só ensinou como afinou e deu dicas de como cuidar da viola para o rapaz, que não conseguia guardar sua admiração e alegria. A segunda, quando voltávamos de Belo Horizonte, eu dirigindo, no banco traseiro Índio Cachoeira. Mesmo no escuro, tocou e dedilhou sua viola nos quase 400km da viagem, aquilo foi mágico!
Ainda em 2017, Índio Cachoeira e seu parceiro Santarém fizeram um show na Concha Acústica da Praça Getúlio Vargas, para lançar em Alfenas o CD "Ponteando Tradições", abrindo as comemorações do aniversario da cidade. Entre shows e gravações, ele construía suas violas, e se deslocava por Alfenas com sua bicicleta, disposição e energia não lhe faltavam.
Na manhã do dia 4 de abril de 2018, aos 65 anos Índio Cachoeira partiu, deixando um vazio imenso em nossa cultura. Ele não resistiu, mas lutou por vários dias. Havia sofrido um acidente com sua inseparável bicicleta, no cruzamento da Rua Dr. Marcial Júnior com a Rua Presidente Artur Bernardes. No dia seguinte, pintamos uma borboleta no asfalto e instalamos uma “ghost bike” (ou bicicleta fantasma) em respeito à sua memória. A bicicleta usada por Índio Cachoeira, foi pintada de branco e colocada bem no local onde houve o acidente.
Para quem ainda não conhece ou não ouviu a genialidade das cortas da viola mágica de Índio Cachoeira busque por suas músicas, boa parte está nas redes e nos aplicativos de streaming, e se puder, ouça e sinta a música “Prelúdio dos Pássaros” ...
Alfenas, ainda lhe deve uma honrosa, justa e necessária homenagem!
Mín. 15° Máx. 27°
Mín. 14° Máx. 26°
Sol com algumas nuvensMín. 13° Máx. 27°
Sol com algumas nuvens